Recentemente tive contato com um tema até então ignorado por mim: a educomunicação. De cara imaginei que esta tal educomunicação consistia na união da comunicação com a educação, simples assim! Mas eis que descubro, por meio de uma entrevista realizada com o
Professor Ismar de Oliveira Soares, que este é um assunto mais amplo e complexo do que o meu pobre senso comum poderia supor.
Educomunicação, para quem ainda não sabe, é um novo campo de atuação. Uma nova área de estudo que busca utilizar a comunicação e as suas ferramentas ou mídias: internet, rádio, televisão e cinema para práticas educativas. "Ela existe em decorrência de uma tradição latino-americana que busca promover o direito universal à expressão, numa perspectiva dialógica, através da formação de ecossistemas comunicativos abertos e participativos em espaços destinados à educação", explica o professor Soares.
O tema ganhou visibilidade no Brasil no final da década de 90, após o
Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo (NCE) realizar uma pesquisa
com especialistas de países da América Latina e da Península Ibérica. Fundado em 1996, sob coordenação do Professor Soares, o Núcleo pretendia pesquisar a inter-relação existente entre as áreas de comunicação e educação e descobrir quais eram as características dos profissionais que atuavam neste campo.
Tamanha é a importância do assunto que em 2009 a Universidade de São Paulo (USP)
aprovou a criação do curso de Licenciatura em educomunicação para o vestibular da FUVEST. O principal objetivo do curso, oferecido pela Escola de Comunicações e Artes da USP
, é preparar os profissionais para atuarem na interface entre as áreas de Comunicação e Educação.
Para entender um pouco mais sobre esse assunto confira a entrevista concedida pelo Professor Soares. Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo,
Soares é reconhecido como o precursor dos estudos sobre educomunição no Brasil.
Camila: Como podemos definir o conceito Educomunicação?
Professor Ismar de Oliveira: Quando falamos em educomunicação temos que pensar numa permanente troca de informação e de produção cultural envolvendo o aluno, o professor, a coordenação da escola e a família, algo que só pode ser alcançado se a escola for um ambiente democrático, onde o aluno possa participar ativamente, expressando suas idéias e emoções. A educomunicação propõe uma troca simultânea de experiência, de informação entre o professor e o aluno, algo recíproco.
Camila: A prática educomunicativa se resume no uso de novas tecnologias ou redes sociais?
Professor Ismar de Oliveira: Desde que a criação tenha a participação simultânea entre o aluno e o professor, porque existe uma parceria, o aluno só aprende quando produz. A educomunicação diz que o professor é um sujeito dialogante, então utilizar os meios de comunicação de forma crítica e reflexiva é uma parte da educomunicação.
Camila: Existe uma receita para formar educomunicadores?
Professor Ismar de Oliveira: Não há uma receita, o educador com visão dialógica tem dom para ser educomunicador. É possível formar educomunicadores, em cursos de especialização ou mesmo num curso de graduação, como ocorre em Campina Grande, PB, onde a Universidade Federal acaba de inaugurar um bacharelado e na USP, com a Licenciatura em Educomunicação que se destina a formar um professor e um consultor para o novo campo. Idependentemente desses programas oficiais, a prática vem se difundido pela América Latina e em outras partes do mundo a partir de troca de experiências entre educomunicadores auto-didatas. No Brasil, por exemplo, existe uma associação de ongs que se formou justamente para garantir coerência em seu trabalho educomunicativo. Trata-se da
Rede CEP – Comunicação, Educação e Participação. Além disso, há práticas educomunicativas em muitos espaços, especialmente em veículos educativos de comunicação. Aliás, somente agora, mais de 40 anos depois de seu surgimento nas práticas da sociedade civil, é que a educomunicação está chegando às escolas e isso justificou a criação de cursos superiores, pois o sistema educativo exige uma formação específica dos que pretendem atuar nas escolas.
Camila: Como podemos inserir as práticas educomunicativas dentro da sala de aula?
Professor Ismar de Oliveira: Hoje é possível reunir um grupo de professores e alunos e trabalhar com eles práticas educomunicativas. No caso, como não existe uma disciplina denominada educomunicação, a prática se dá através do que se denomina como “pedagogia de projetos”, isto é: grupos de professores e alunos interessados no tema desenvolvem suas experiências, com maior ou menor apoio da direção, com maior ou menor integração com as diferentes disciplinas. Tomemos o exemplo do
Educom.rádio, um projeto que levamos para 455 escolas da Prefeitura de São Paulo, entre 2001 e 2004. Hoje, passados dez anos da implantação da experiência, a educomunicação ganhou força para permanecer numa grande rede de educação sem necessidade da assessoria direta da Universidade. No entanto, identificamos diferentes comportamentos das escolas, seus professores e alunos: Em algumas escolas, já não se fala mais no assunto, pois os que fizerem o curso não estão mais nelas e não há quem tenha conhecimento e interesse em buscar formação. Num segundo grupo, existe a prática, mais está vinculada com o conceito de tecnologia educacional. Isso significa dizer que o uso da mídia está à serviço da didática, estando expressamente relacionado à aprendizagem de algum conteúdo, não interferindo nas relações entre as pessoas. Existe, contudo, um grupo significativo de escolas que tem na prática educomunicativa uma filosofia de vida, um paradigma e participação, não importando o meio, se é um programa de rádio, uma produção de vídeo ou o uso do computador, contando que o protagonismo juvenil esteja garantido numa relação criativa e dialógica no espaço da escola. As exigências que a Educomunicação faz aos sistemas de ensino tem feito muitos gestores e professores abominarem o conceito. Prefiram trabalhar as tecnologias da informação simplesmente como suporte didático, sem qualquer incidência sobre a vida da escola e as relações entre as pessoas. Importante lembrar que a educomunicação não propõe uma atitude apenas reflexiva, mas sim ativa, de participação, porque reflexivo é quando alguém fala e o outro reflete sobre aquilo, já a educomunicação propõe trocas de informações, ou uma reflexão compartilhada, mediante um programa que permita o trabalho colaborativo. Frente aos padrões tradicionais, isso pode representar uma revolução no espaço escolar.