domingo, 21 de agosto de 2022

"Fui sua aluna"

Dia desses fui a um laboratório de análises clínicas para me livrar (quis dizer entregar) duas amostras de excrementos, também conhecido como cocô. 

Enquanto esperava, ansiosa, para largar (quis dizer deixar) os tubinhos com algum enfermeiro, vi uma senhora muito elegante. Ela era loura, tinha os cabelos bem curtinhos e estava sentada com o celular nas mãos. Eu estava em pé, a pouca distância da distinta mulher, o que permitiu que eu escutasse, por tabela, um áudio que alguém enviara para ela. “Solange”, disse a voz do áudio. “Hum, Solange”, aquele nome era familiar para mim, refleti. Olhei de novo, e com um pouco mais de atenção, para a refinada dama, e a reconheci no mesmo momento. “Sim, era ela!", pensei, a professora Solange do extinto Colégio Senador Roberto Simonsen, em São Caetano do Sul. 

A Solange foi a minha professora no Ensino Fundamental ll e foi com ela que aprendi a gostar de Língua Portuguesa. Mais tarde, a professora Elizete Bontempi  despertaria ainda mais meu interesse pela disciplina. 

Tive vontade de ir falar com ela assim que a reconheci, perguntar se ela lembrava de mim, contar que ela havia me inspirado, que eu adorava as suas aulas, mas me contive. Afinal, estávamos em um laboratório de análises clínicas, em meio a tubos de fezes e urinas e não em um café, rodeadas de cappucinos e croissant. Além disso, só Deus sabia que tipo de exame aguardava por ela. Coleta de sangue? Algum ultrassom do tipo feminino e desconfortável? Minha imaginação foi longe em questão de segundos. Por fim, sentei ao lado dela a fim de aquietar a mente, mas foi aí que a vontade de puxar papo veio ainda com mais força; novamente me segurei. Desta vez o que me brecou foi a lembrança do que uma professora da graduação, de humor ácido, sempre dizia a nós, alunos. "Se me virem no Carrefour finjam que não me conhecem, porque eu vou fingir que não conheço vocês". Diante dessa doce lembrança hesitei e permaneci sentada e imóvel, quase sem respirar, na silenciosa sala de espera com paredes brancas.

Quando o enfermeiro finalmente abriu a porta e a chamou eu gritei, assim como quem leva um susto: "professora". Ela olhou na mesma hora. "Eu fui sua aluna", disse meio sem jeito. Ela sacudiu a cabeça em tom de negação e indignação como se pensasse:  "até aqui aparece um aluno!". Diante dessa reação calorosa respondi: "não dá pra escapar, neh?" (nem dos exames e muito menos dos ex-alunos), pensei, enquanto ela se dirigia para sala de coleta.